O Brasil registrou 6.393 mortes decorrentes de intervenções policiais em 2023, segundo dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número, que representa uma média de 17 mortes por dia, evidencia um dos mais graves problemas de segurança pública do país e coloca o Brasil entre as nações com as polícias mais letais do mundo.
Os dados revelam disparidades regionais alarmantes. A cidade de Jequié, na Bahia, lidera o ranking com a assustadora taxa de 46,6 mortes por 100 mil habitantes, seguida por Angra dos Reis (RJ) com 42,4 e Macapá (AP) com 29,1. Em alguns municípios, as mortes causadas por policiais representaram mais da metade de todos os homicídios registrados.
O perfil das vítimas expõe o componente racial da violência policial: 82,7% eram pessoas negras, evidenciando o racismo estrutural que permeia as instituições de segurança. A maioria das vítimas eram homens jovens, entre 18 e 29 anos, moradores de periferias urbanas, reforçando o padrão de vulnerabilidade social das vítimas.
Comparado aos últimos dez anos, o crescimento é ainda mais preocupante. Entre 2013 e 2023, a letalidade policial aumentou 188,9%, um crescimento que não encontra paralelo em outros indicadores de violência. Enquanto as taxas gerais de homicídio apresentaram redução em várias regiões, as mortes causadas por agentes do Estado seguiram trajetória oposta.
A Bahia ultrapassou o Rio de Janeiro como o estado com maior número absoluto de mortes por intervenção policial, registrando 1.701 casos em 2023. O Amapá, apesar da população menor, apresenta a pior taxa proporcional, com 25,3 mortes por 100 mil habitantes, seguido pela própria Bahia com 12 e Sergipe com 10,4.
O outro lado desta tragédia também merece atenção: 127 policiais foram assassinados em 2023, sendo que 57% morreram fora do horário de serviço. O número de suicídios entre agentes de segurança também é alarmante, com 118 casos registrados, um aumento de 26,2% em relação ao ano anterior.
Especialistas apontam múltiplas causas para estes números. A formação deficiente, com poucas horas dedicadas a direitos humanos e técnicas de mediação de conflitos, cria profissionais despreparados para lidar com situações complexas. A cultura institucional que valoriza confrontos e vê na força letal a primeira resposta contribui para a escalada da violência.
A falta de controle e responsabilização é outro fator crítico. Muitos casos de letalidade policial são arquivados sob a justificativa de ‘legítima defesa’ ou ‘resistência seguida de morte’, sem investigação adequada. Corregedorias com recursos limitados e, em alguns casos, coniventes com a violência institucional, falham em seu papel de controle interno.
Experiências bem-sucedidas mostram que é possível reduzir a letalidade sem comprometer a segurança pública. Estados que investiram em câmeras corporais, treinamento continuado e protocolos rígidos de uso da força conseguiram reduções significativas nas mortes. São Paulo, após anos liderando as estatísticas, conseguiu redução de 20% com a implementação de medidas de controle.
Organizações de direitos humanos têm pressionado por reformas estruturais nas polícias brasileiras. Entre as propostas estão a desmilitarização das polícias militares, a unificação dos ciclos policiais, o fortalecimento dos mecanismos de controle externo e a implementação obrigatória de câmeras corporais em todas as operações.
O impacto social dessa violência vai além das estatísticas. Comunidades inteiras vivem sob o trauma do medo, crianças crescem órfãs de pais mortos em operações policiais, e a desconfiança mútua entre polícia e população impede a construção de uma segurança pública verdadeiramente efetiva.
Para reverter este quadro, será necessário mais que medidas pontuais. Uma reforma profunda na concepção de segurança pública, que priorize a vida e os direitos humanos, é urgente para que o Brasil possa construir instituições policiais que protejam e sirvam a toda população, sem distinção de raça, classe ou território.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública